domingo, 26 de julho de 2020

Análise do texto de Lenin: "Os Revolucionários Devem Atuar nos Sindicatos Reacionários?"

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Em maio de 1920, Lenin procura responder a essa polêmica inicialmente iniciada pelos “esquerdistas” alemães e do Partido Social-Democrata Independente da Alemanha (renunciantes da luta de classe e pregavam a unidade com os social-chauvinistas) e pelos membros do Partido Comunista Holandês que expressavam esse entendimento sobre a atuação dos comunistas nos sindicatos reacionários que, para eles, os comunistas não deviam se dispor a tal atividade.
A alegação era de que fosse criada uma organização unificada purista e operária da estaca zero formada  por comunistas, abandonando o trabalho da vanguarda nos sindicatos reacionários.

I) A postura abstrata e idealista dos “esquerdistas”

 

A política de abstenção da atuação dos sindicatos reacionários corresponde a uma capitulação dos comunistas, no sentido de que os trabalhadores que já estão organizados minimamente na luta econômica através dos sindicatos ficam a mercê da influência de suas direções sindicais reacionárias.

A crítica que Lenin sustenta tem por base o nível de organização operária já formalizada e existente. Para ele, organizar artificialmente um agrupamento “comunista” seria um esforço que ignora a existência da própria organização existente de trabalhadores. Seria, portanto, um erro de interpretação do movimento real, um equívoco tático.

  "Também não podemos deixar de achar um absurdo ridículo e pueril as argumentações ultra sábias, empoladas e terrivelmente  revolucionárias dos esquerdistas alemães a respeito de ideias como: os comunistas não podem nem devem atuar nos sindicatos reacionários; é lícito renunciar a semelhante atividade; é preciso sair dos sindicatos e organizar obrigatoriamente uma “união operária”  completamente nova e completamente pura, inventada pelos  comunistas muito simpáticos (e na maioria dos casos, provavelmente, muito jovens), etc, etc."


II) O problema da divisão de trabalho

 

Mesmo na República Soviética, os sindicatos reacionários existem e tem certa posição na situação política geral.

Para explicar isso, importa retomar a divisão de trabalho e a divisão de classes na sociedade civil. Enquanto existir na sociedade a divisão de classes, existir ainda a burguesia no interior da sociedade, os sindicatos serão influenciados por elementos da burguesia. Os mencheviques expressam politicamente a ocorrência de sobras elementares da burguesia e que continuam atuando de modo contrarrevolucionário dentro do movimento operário, o que leva, sem pestanejar, os comunistas cumprirem seu dever de propaganda e agitação política nos seio das organizações operárias, no interior dos sindicatos reacionários, pois a luta política não cessou nem após a Revolução de Outubro. A experiência de Outubro nos legou de maneira clara a etapa de transição para a supressão das classes e os problemas enfrentados para que tal fim fosse atingido.

 

 "Além disso, como é natural, todo o trabalho do Partido se realiza através dos sovietes, que agrupam as massas trabalhadoras, sem distinção de profissão. Os congressos de distrito dos sovietes representam uma instituição democrática como jamais se viu nas melhores repúblicas democráticas do mundo burguês. Por meio destes congressos (cujo trabalho o Partido procura acompanhar  com a maior atenção possível) assim como através da designação constante dos operários mais conscientes para diversos cargos nas povoações rurais, o proletariado exerce sua função dirigente com respeito ao campesinato, realiza-se a ditadura do proletariado urbano,a luta sistemática contra os camponeses ricos, burgueses,exploradores e especuladores, etc."

 

Nesse trecho, Lenin, a exemplo da atuação política do partido nos Soviets (organização política, administrativa e produtiva dos trabalhadores), defende a contínua atividade política revolucionária em quaisquer organizações de trabalhadores. Se mesmo para a República Soviética isso é necessário para conter o avanço do movimento contrarrevolucionário, também será nas democracias burguesas.

 

"Os sindicatos representaram um progresso gigantesco da classe operária nos primeiros tempos do desenvolvimento do capitalismo, uma vez que significavam a passagem da dispersão e da impotência dos operários aos rudimentos da união de classe. Quando a forma superior de união de classe dos proletários começou a desenvolver-se, o partido revolucionário do proletariado (que não merecerá este nome enquanto não souber ligar os líderes à classe e às massas em um todo único e indissolúvel), os sindicatos começaram a manifestar fatalmente certos traços reacionários, certa estreiteza gremial, certa tendência ao apoliticismo, certo espírito rotineiro, etc. Mas o desenvolvimento do proletariado não se realizou e nem podia realizar-se em nenhum país de outra maneira senão por meio dos sindicatos e por sua ação conjunta com o partido da classe operária. A conquista do poder político pelo proletariado representa um progresso gigantesco deste, considerado como classe, e o Partido deve consagrar-se mais, de modo novo e não apenas pelos processos antigos, a educar os sindicatos, a dirigi-los, sem esquecer também que estes são e serão durante muito tempo uma necessária “escola de comunismo”, uma escola preparatória dos proletários para a realização de sua ditadura, a associação indispensável dos operários para a passagem gradual da direção de toda a economia do país às mãos da classe operária (e não de umas e outras profissões), primeiro, e depois, às mãos de todos os trabalhadores."

 

III) As massas. Deixar de atuar nos sindicatos reacionários corresponde a abandonar os trabalhadores nas mãos dos sindicalistas oportunistas

 

A influência nociva e contrarrevolucionária nos sindicatos tem determinadas características. Sabendo delas, tipificando-as, consegue-se observar a necessidade de combater essas personalidades. Lenin, portanto, comenta sobre a atuação desses chefes de sindicatos reacionários.



Não duvidamos de que os senhores “chefes” do oportunismo recorrerão a todas as artimanhas da diplomacia burguesa, à ajuda dos governantes burgueses, dos padres, da polícia e dos tribunais para impedir a entrada dos comunistas nos sindicatos, para expulsá-los de lá por todos os meios e tornar o trabalho dos comunistas neles o mais desagradável possível, para ofendê-los, castigá-los e persegui-los.

[…]

[Os oportunistas na República Soviética Russa eram os Mencheviques, que representavam a política da burguesia]

Isso porque nossos mencheviques, como todos os líderes sindicais oportunistas, social-chauvinistas e kautskistas, não são mais que “agentes da burguesia no movimento operário” (como sempre dissemos ao nos referir aos mencheviques) ou, em outras palavras, os “lugar-tenentes operários da classe capitalista” (labor lieutenants of the capitalist class), de acordo com a magnífica expressão, profundamente exata, dos discípulos de Daniel de León nos Estados Unidos.  Não atuar no seio dos sindicatos reacionários significa abandonar as massas operárias insuficientemente desenvolvidas ou atrasadas à influência dos líderes reacionários, dos agentes da burguesia, dos operários aristocratas ou “operários aburguesados” (veja-se a carta de Engels Marx em 1858 sobre os operários ingleses).

 

Conhecendo o “inimigo”, não seria prudente deixá-lo controlando as massas operárias. Assim, seria necessário desenvolver um trabalho no sentido de expulsar o inimigo e conscientizar os trabalhadores de seu papel revolucionário de classe.

 

"Para saber ajudar a “massa” e conquistar sua simpatia, adesão e apoio é preciso não temer as dificuldades, mesquinharias, armadilhas, insultos e perseguições dos “chefes” (que, sendo oportunistas e social-chauvinistas, estão, na maioria dos casos, relacionados direta ou indiretamente ,com a burguesia e a polícia), e deve-se trabalhar obrigatoriamente onde estejam as massas. É preciso saber fazer toda a sorte de sacrifícios e vencer os maiores obstáculos para realizar uma propaganda e uma agitação sistemáticas, tenazes, perseverantes e pacientes exatamente nas instituições, associações e sindicatos, por mais reacionários que sejam, onde haja massas proletárias ou semiproletárias."

 

IV) Em que consiste o trabalho dos comunistas

 

Foi apresentado o problema dos sindicatos reacionários, que é o controle destes pelos oportunistas, refutando a tese dos esquerdistas, importa agora explicitar como deveria ser feito a atuação dos comunistas, o seu modo de atividade.

 

"Temer este “espírito reacionário”, tentar prescindir dele, ignorá-lo, é uma grande tolice, pois equivale a temer o papel de vanguarda do proletariado, que consiste em instruir, ilustrar, educar, atrair para uma vida nova as camadas e as massas mais atrasadas da classe operária e do campesinato. Por outro lado, adiar a ditadura do proletariado até que não reste um só operário de estreito espírito profissional, nenhum operário com preconceitos corporativistas e trade-unionistas, seria um erro ainda mais grave.

 

 A arte do político (e a compreensão acertada no comunista de seus deveres) consiste, precisamente, em saber aquilatar com exatidão as condições e o momento em que a vanguarda do proletariado pode tomar vitoriosamente o poder; em que pode, durante a tomada do  poder e depois dela, conseguir um apoio suficiente de setores bastante amplos da classe operária e das massas trabalhadoras não proletárias; em que pode, uma vez obtido esse apoio, manter, garantir e ampliar seu domínio, educando, instruindo e atraindo massas cada vez mais amplas de trabalhadores.

                        […]

É preciso desencadear esta luta implacavelmente e continuá-la de maneira obrigatória, como o fizemos, até desmoralizar e desalojar dos sindicatos todos os chefes incorrigíveis do oportunismo e do social-chauvinismo. É impossível conquistar o poder político (e não se deve nem pensar em tomar o poder político) enquanto esta luta não tiver alcançado “certo grau”; este “certo grau” não é o mesmo em todos os países e em todas as condições, e só dirigentes políticos do proletariado sensatos, experimentados e competentes podem determiná-lo com acerto em cada país.

(Na Rússia as eleições de novembro de 1917 para a Assembleia Constituinte, alguns dias depois da revolução proletária de 25 de outubro de 1917, entre outras coisas, nos deram a medida exata do êxito nesta luta. Nas referidas eleições, os mencheviques sofreram fragorosa derrota, obtendo 700 000 votos — 1 400 000 contando os da Transcaucásia — contra os 9 000 000 conseguidos pelos bolcheviques. Veja-se o meu artigo As Eleições Para a Assembleia Constituinte e a Ditadura do Proletariado, no número 7/8 de "A Internacional Comunista").


Sob o regime tzarista, até 1905, não tivemos nenhuma “possibilidade legal”; mas quando o policial Zubátov organizou suas assembleias e associações operárias ultra-reacionárias com o objetivo de perseguir os revolucionários e lutar contra eles, enviamos para ali membros de nosso Partido (lembro entre eles o camarada Babushkin, destacado operário peterburguense, fuzilado em 1906 pelos generais tzaristas), que estabeleceram contacto com a massa, conseguiram agitá-la e arrancar os operários da influência dos agentes de Zubátov."

 

 

 

V) A experiência de Outubro liquidou os sindicatos reacionários?

 

“Reconhecemos que o contacto com as “massas” através dos sindicatos não é suficiente. No transcorrer da revolução criou-se em nosso país, na prática, um organismo que procuramos a todo custo manter, desenvolver e ampliar: as conferências de operários e camponeses sem partido, que nos permitem observar o estado de espírito das massas, aproximarmo-nos delas, corresponder a seus anseios, promover seus melhores elementos aos postos do Estado, etc.

 

Bem, esse trecho nos mostra que enquanto existir a oposição de classes imposta pelo capital, o trabalho dos comunistas deve continuar. Mesmo na recém república soviética, a atuação política dos comunistas nas organizações dos trabalhadores manteve-se constante.

Mais do que nunca, portanto, no marco do Estado capitalista, os comunistas não devem abandonar as organizações de trabalhadores às lideranças oportunistas e burguesas, que despolitizam e atuam na contramão das lutas reivindicatórias. O papel que deve ser realizado, portanto, é o de intenso trabalho nos sindicatos e partidos de esquerda no sentido de promover o ascenso revolucionário no interior dessas organizações.

Texto do Lenin na íntegra: https://www.marxists.org/portugues/lenin/livros/sindicato/04.htm


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