quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

O Racismo No Futebol Dialoga Com A Realidade?


Neste último mês do ano observamos uma crescente discussão a respeito do racismo no futebol, mais especificamente três casos: no âmbito internacional, o jogo válido pela Liga Dos Campeões da Europa entre Paris Saint-Germain e Istambul Basaksehir fora paralisado e adiado por conta de uma fala discriminatória proferida pelo quarto árbitro contra o assistente técnico do clube turco, o camaronês Pierre Webó, sendo assim a partida reiniciada apenas no dia seguinte (9/12), pelo fato dos jogadores das duas equipes se negarem a retornar à partida com o quarto árbitro, autor do ato, presente.

Quase que como consequência deste evento de alcance mundial, em território nacional, num intervalo de menos de uma semana, houve dois casos notórios: a viralização do vídeo do garoto Luíz Eduardo, no qual ele aparece chorando após acusar o técnico adversário de ato discriminatório, durante um torneio chamado Caldas Cup, no interior de Goiás, no dia 16; e a denúncia de injúria racial do jogador flamenguista Gerson contra o colombiano "Índio" Ramírez, do Bahia, no duelo entre as duas equipes ocorrido no dia 20. Interessante pontuar que em ambos os três casos a palavra discriminatória em questão se referia a "preto" ou "negro".

Os pretos, na grande maioria da história, foram calados e objetificados, portanto a eles merecem todo o direito de expressão e de se sentirem revoltados ou incomodados com uma situação iminentemente racista, como foi feito nos exemplos supracitados. Em um âmbito sócio-político, entretanto, jamais podemos nos esquecer que a segregação racial é fruto do imperialismo capitalista. Uma luta popular antirracista que não tenha um forte contexto econômico, que vise a reestruturação urbana das periferias, a redução da desigualdade social e do desemprego, além de uma maior inclusão universitária, consistirá em uma luta ineficaz que ignora as principais consequências do racismo. Pior do que isso: ao tratar o racismo como uma causa meramente humanitária, e não política, desloca-se o alvo do real inimigo (o Estado) para o nosso semelhante, reduzindo a luta em acusações pessoais (como tem se verificado) e inflamando a vontade burguesa de linchamento (houve quem bradasse por cadeia ao jogador do Bahia!). Portanto, qualquer evidência ou grande repercussão que a grande mídia der ao racismo será de cunho "humanitário", ou seja, será uma farsa! Não há nenhum interesse em superar o racismo de fato nessas movimentações, mas sim apenas dar pauta à esquerda burguesa, para que esta esperneie e aponte o dedo covardemente ao elo mais fraco da sociedade (a classe trabalhadora, que é à quem a mídia vai direcionar), enquanto a estrutura do poder segue intacta.

Além da suposta luta antirracista, sem nenhum contexto econômico, ser uma farsa, não dialoga em nada com a classe trabalhadora, que é sujeita a sofrer as consequências mais pesadas do racismo. Pra quem é acostumado a ter algum amigo ou parente com apelido de "Negão", por exemplo, ou outros derivados de sua cor, uma simplificação do racismo numa injúria de "negro" é muito pouco para que o sujeito se identifique ou tome parte da situação. É preciso esclarecer sua história, as origens econômicas da escravidão e da segregação do negro nas periferias, entender porque desta ter uma cor predominante e porque a desigualdade social, de forma geral, é um dos maiores problemas do nosso país.

Não há de se eximir a responsabilidade individual dos agentes nos casos em questão, mas em um aspecto macro de combate ao racismo devemos entender que estes não são nossos reais inimigos, pois apenas reproduzem o que o Estado perpetua como projeto desde sempre. Portanto, uma política punitivista não é a solução.


Consciência Negra e a Terceirização de Lutas Populares: https://faroloperario.blogspot.com/2020/11/consciencia-negra-e-terceirizacao-de.html

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