Em maio de 1920, Lenin procura responder a essa polêmica
inicialmente iniciada pelos “esquerdistas” alemães e do Partido
Social-Democrata Independente da Alemanha (renunciantes da luta de classe e
pregavam a unidade com os social-chauvinistas) e pelos membros do Partido
Comunista Holandês que expressavam esse entendimento sobre a atuação dos
comunistas nos sindicatos reacionários que, para eles, os comunistas não deviam
se dispor a tal atividade.
A alegação era de que fosse criada uma organização unificada purista e operária
da estaca zero formada por comunistas,
abandonando o trabalho da vanguarda nos sindicatos reacionários.
I) A postura abstrata e idealista dos “esquerdistas”
A política de abstenção da atuação dos sindicatos
reacionários corresponde a uma capitulação dos comunistas, no sentido de que os
trabalhadores que já estão organizados minimamente na luta econômica através
dos sindicatos ficam a mercê da influência de suas direções sindicais
reacionárias.
A crítica que Lenin sustenta tem por base o nível de
organização operária já formalizada e existente. Para ele, organizar
artificialmente um agrupamento “comunista” seria um esforço que ignora a
existência da própria organização existente de trabalhadores. Seria, portanto,
um erro de interpretação do movimento real, um equívoco tático.
"Também
não podemos deixar de achar um absurdo ridículo e pueril as argumentações ultra sábias,
empoladas e terrivelmente revolucionárias
dos esquerdistas alemães a respeito de ideias como: os comunistas não podem nem devem atuar nos sindicatos reacionários;
é lícito renunciar a semelhante atividade; é preciso sair dos sindicatos
e organizar obrigatoriamente uma “união operária” completamente nova e completamente
pura, inventada pelos comunistas
muito simpáticos (e na maioria dos casos, provavelmente, muito jovens), etc, etc."
II) O problema da divisão de trabalho
Mesmo na República Soviética, os sindicatos reacionários existem
e tem certa posição na situação política geral.
Para explicar isso, importa retomar a divisão de trabalho e a
divisão de classes na sociedade civil. Enquanto existir na sociedade a divisão
de classes, existir ainda a burguesia no interior da sociedade, os sindicatos
serão influenciados por elementos da burguesia. Os mencheviques expressam
politicamente a ocorrência de sobras elementares da burguesia e que continuam
atuando de modo contrarrevolucionário dentro do movimento operário, o que leva,
sem pestanejar, os comunistas cumprirem seu dever de propaganda e agitação
política nos seio das organizações operárias, no interior dos sindicatos
reacionários, pois a luta política não cessou nem após a Revolução de Outubro.
A experiência de Outubro nos legou de maneira clara a etapa de transição para a
supressão das classes e os problemas enfrentados para que tal fim fosse
atingido.
"Além
disso, como é natural, todo o trabalho do Partido se realiza através dos sovietes,
que agrupam as massas trabalhadoras, sem distinção
de profissão. Os congressos de distrito dos sovietes representam uma instituição democrática como
jamais se viu nas melhores repúblicas democráticas do mundo
burguês. Por meio
destes congressos (cujo trabalho o Partido procura acompanhar com a maior
atenção possível) assim como através da designação constante dos operários mais conscientes
para diversos cargos nas povoações rurais, o proletariado
exerce sua função dirigente com respeito
ao campesinato, realiza-se a ditadura do proletariado urbano,a luta sistemática contra
os camponeses ricos, burgueses,exploradores
e especuladores, etc."
Nesse trecho, Lenin, a exemplo da atuação política do partido
nos Soviets (organização política, administrativa e produtiva dos
trabalhadores), defende a contínua atividade política revolucionária em quaisquer
organizações de trabalhadores. Se mesmo para a República Soviética isso é
necessário para conter o avanço do movimento contrarrevolucionário, também será
nas democracias burguesas.
"Os sindicatos representaram um progresso gigantesco da classe
operária nos primeiros tempos do desenvolvimento do capitalismo, uma vez que
significavam a passagem da dispersão e da impotência dos operários aos rudimentos da
união de classe. Quando a forma superior de união de classe dos proletários
começou a desenvolver-se, o partido revolucionário do proletariado (que não
merecerá este nome enquanto não souber ligar os líderes à classe e às massas em
um todo único e indissolúvel), os sindicatos começaram a manifestar fatalmente
certos traços reacionários, certa estreiteza gremial, certa tendência ao
apoliticismo, certo espírito rotineiro, etc. Mas o desenvolvimento do
proletariado não se realizou e nem podia realizar-se em nenhum país de outra
maneira senão por meio dos sindicatos e por sua ação conjunta com o partido da
classe operária. A conquista do poder político pelo proletariado representa um
progresso gigantesco deste, considerado como classe, e o Partido deve
consagrar-se mais, de modo novo e não apenas pelos processos antigos, a educar
os sindicatos, a dirigi-los, sem esquecer também que estes são e serão durante
muito tempo uma necessária “escola de comunismo”, uma escola preparatória dos proletários para a realização de sua
ditadura, a associação indispensável dos operários para a passagem gradual da
direção de toda a economia do país às mãos da classe operária (e não de umas e
outras profissões), primeiro, e depois, às mãos de todos os trabalhadores."
III) As massas. Deixar de atuar nos sindicatos reacionários
corresponde a abandonar os trabalhadores nas mãos dos sindicalistas
oportunistas
A influência nociva e contrarrevolucionária nos sindicatos
tem determinadas características. Sabendo delas, tipificando-as, consegue-se
observar a necessidade de combater essas personalidades. Lenin, portanto,
comenta sobre a atuação desses chefes de sindicatos reacionários.
Não duvidamos de que os senhores “chefes” do oportunismo recorrerão a todas as artimanhas da diplomacia burguesa, à ajuda
dos governantes burgueses, dos padres, da polícia e dos tribunais para impedir
a entrada dos comunistas nos sindicatos, para expulsá-los de lá por todos os
meios e tornar o trabalho dos comunistas neles o mais desagradável possível,
para ofendê-los, castigá-los e persegui-los.
[…]
[Os oportunistas na República
Soviética Russa eram os Mencheviques, que representavam a política da
burguesia]
Isso porque nossos mencheviques,
como todos os líderes sindicais oportunistas,
social-chauvinistas e kautskistas,
não são mais que “agentes da burguesia no movimento operário” (como sempre
dissemos ao nos referir aos mencheviques)
ou, em outras palavras, os “lugar-tenentes operários da classe capitalista” (labor lieutenants of the capitalist class), de acordo com a magnífica expressão, profundamente exata, dos
discípulos de Daniel de León nos Estados Unidos. Não
atuar no seio dos sindicatos reacionários significa abandonar as massas
operárias insuficientemente desenvolvidas ou atrasadas à influência dos líderes
reacionários, dos agentes da burguesia, dos operários aristocratas ou “operários
aburguesados” (veja-se a carta de Engels a Marx em 1858 sobre os operários ingleses).
Conhecendo o “inimigo”, não seria prudente deixá-lo
controlando as massas operárias. Assim, seria necessário desenvolver um
trabalho no sentido de expulsar o inimigo e conscientizar os trabalhadores de
seu papel revolucionário de classe.
"Para saber ajudar a “massa” e conquistar sua simpatia, adesão e
apoio é preciso não temer as dificuldades, mesquinharias, armadilhas, insultos
e perseguições dos “chefes” (que, sendo oportunistas e social-chauvinistas, estão, na maioria dos casos, relacionados
direta ou indiretamente ,com a burguesia e a polícia), e deve-se trabalhar obrigatoriamente onde estejam as massas. É
preciso saber fazer toda a sorte de sacrifícios e vencer os maiores obstáculos
para realizar uma propaganda e uma agitação sistemáticas, tenazes,
perseverantes e pacientes exatamente nas instituições, associações e
sindicatos, por mais reacionários que sejam, onde haja massas proletárias ou
semiproletárias."
IV) Em que consiste o trabalho dos comunistas
Foi apresentado o problema dos sindicatos reacionários, que é
o controle destes pelos oportunistas, refutando a tese dos esquerdistas,
importa agora explicitar como deveria ser feito a atuação dos comunistas, o seu
modo de atividade.
"Temer este “espírito
reacionário”, tentar prescindir dele, ignorá-lo, é uma grande tolice, pois equivale a temer o
papel de vanguarda do proletariado, que consiste em instruir, ilustrar, educar, atrair para uma vida nova as camadas e as
massas mais atrasadas da classe operária e do campesinato. Por outro
lado, adiar a ditadura do proletariado até que não reste um só operário de
estreito espírito profissional, nenhum operário com preconceitos
corporativistas e trade-unionistas, seria um erro ainda mais grave.
A
arte do político (e a compreensão acertada no comunista de seus deveres)
consiste, precisamente, em saber aquilatar com exatidão as condições e o
momento em que a vanguarda do proletariado pode tomar vitoriosamente o poder; em que
pode, durante a tomada do poder
e depois dela, conseguir um apoio suficiente de setores bastante
amplos da classe operária e das massas trabalhadoras não proletárias;
em que pode, uma vez obtido esse apoio, manter, garantir e ampliar seu
domínio, educando, instruindo e atraindo massas
cada vez mais amplas de trabalhadores.
[…]
É preciso desencadear esta luta implacavelmente e continuá-la de
maneira obrigatória, como o fizemos, até desmoralizar e desalojar dos sindicatos
todos os chefes incorrigíveis do oportunismo e do social-chauvinismo. É impossível conquistar o poder político (e não se deve nem pensar em tomar o poder político)
enquanto esta luta não tiver alcançado “certo grau”; este “certo grau” não é o
mesmo em todos os países e em todas as condições, e só
dirigentes políticos do proletariado sensatos, experimentados e competentes
podem determiná-lo com acerto em cada país.
(Na Rússia as eleições de novembro de
1917 para a Assembleia Constituinte, alguns dias depois da revolução proletária
de 25 de outubro de 1917, entre outras coisas, nos deram a medida exata do
êxito nesta luta. Nas referidas eleições, os mencheviques sofreram fragorosa derrota, obtendo 700 000
votos — 1 400 000 contando os da Transcaucásia — contra os 9 000 000
conseguidos pelos bolcheviques. Veja-se o meu artigo As Eleições Para a Assembleia Constituinte
e a Ditadura do Proletariado, no número 7/8 de "A
Internacional Comunista").
Sob o regime tzarista, até 1905, não
tivemos nenhuma “possibilidade legal”; mas quando o policial Zubátov organizou suas assembleias e associações
operárias ultra-reacionárias com o objetivo de perseguir os revolucionários e
lutar contra eles, enviamos para ali membros de nosso Partido (lembro entre
eles o camarada Babushkin, destacado operário peterburguense, fuzilado em
1906 pelos generais tzaristas), que estabeleceram contacto com a massa,
conseguiram agitá-la e arrancar os operários da influência dos agentes de
Zubátov."
V) A experiência de Outubro liquidou os sindicatos reacionários?
“Reconhecemos que o contacto com as “massas” através dos
sindicatos não é suficiente. No transcorrer da revolução criou-se em nosso
país, na prática, um organismo que procuramos a todo custo manter, desenvolver
e ampliar: as conferências de operários e camponeses sem partido, que nos
permitem observar o estado de espírito das massas, aproximarmo-nos delas,
corresponder a seus anseios, promover seus melhores elementos aos postos do
Estado, etc. “
Bem, esse trecho nos mostra que enquanto existir a oposição
de classes imposta pelo capital, o trabalho dos comunistas deve continuar.
Mesmo na recém república soviética, a atuação política dos comunistas nas
organizações dos trabalhadores manteve-se constante.
Mais do que nunca, portanto, no marco do Estado capitalista,
os comunistas não devem abandonar as organizações de trabalhadores às
lideranças oportunistas e burguesas, que despolitizam e atuam na contramão das
lutas reivindicatórias. O papel que deve ser realizado, portanto, é o de
intenso trabalho nos sindicatos e partidos de esquerda no sentido de promover o
ascenso revolucionário no interior dessas organizações.
Texto do Lenin na íntegra: https://www.marxists.org/portugues/lenin/livros/sindicato/04.htm
Colabore com nossa imprensa operária, assine o Farol Operário: https://apoia.se/faroloperario
Se não puder colaborar, compartilhe nosso trabalho, isso dá amplitude às nossas denúncias e tem grande valor para nós.
Acompanhe nossas redes: https://www.facebook.com/faroloperario
Instagram: @farol.operario