sexta-feira, 20 de novembro de 2020

A violência sexual contra Mari Ferrer e a justiça inimiga das mulheres

Em julgamento online realizado no dia 9 de setembro de 2020, o juiz da 3ª Vara Criminal de Florianópolis absolveu o empresário André Aranha acusado de estuprar a influenciadora digital Mari Ferrer. O fato do abuso sexual ocorreu no dia 16 de dezembro de 2018 e o juiz Rudson Marcos entendeu que não houve provas para incriminar o empresário.

Nas redes sociais e na mídia da direita, esse julgamento tornou-se polêmico, pois o The Intercept conseguiu disponibilizar a audiência nas redes. Nesse vídeo, o advogado do empresário, o Excelentíssimo Doutor Cláudio Gastão da Rosa Filho humilhou Mariana (Mari) na sua dignidade, expôs as fotos pessoais de Mariana em plena audiência, dizendo que são imagens “ginecológicas” (provavelmente, na cabeça do nosso nobre doutor em direito, cada 1cm de pele feminina exposta a luz do sol equivale a uma vulva exposta ao ar livre; onde passa e vê mulheres, só vê obscenidades, um mundo pecaminoso, ginecológico) , que “jamais teria uma filha” do “nível” Mariana (espero que ele não tenha essa filha que, para não chegar ao nível de Mari, teria que se enrolar todo o dia em lençóis para não lhe parecer ginecológica demais), além de insultá-la de mentirosa entre outras barbaridades, fazendo entender que ela seria culpada pelo estupro discutido em audiência já que, pelas fotos, segundo nosso Sacrossanto Imaculado Doutor Moralista Puro, a foto de uma pessoa diz tudo sobre ela.

Para amenizar a situação, o Excelentíssimo Juiz Mediador Isentão Patriarca sugere a Mariana, depois de ouvir tamanhas agressões verbais, que ela poderia beber uma água e que eles, gentilmente — uma concessão de altíssimo nível vindo do Homem Juiz—, aguardariam o retorno dela. É como se dissese: acalme-se, Mariana, respire fundo, beba uma água que iremos continuar a essa santa sessão de purificação moral e as humilhações, desmoralizações, vitimizações etc. fazem parte desse processo árduo e necessário. Você, Mariana, pessoa impura, corrupta, pelos poderes divinos do Estado, DEVE ficar nos escutando e, ainda mais, escutar muito bem a absolvição do acusado de estupro, porque no final, a culpada é você, o jeito que você veste atrai os homens puros para o pecado e você, como moça, deveria andar e viver com túnicas a vida toda, porque assim, evitaria assédios morais e sexuais e evitaria que nós, os Excelentíssimos Patriarcas Justos perdêssemos tempo com essa questão que você mesma provocou. Um desperdício. Nós, da Excelentíssima Corte, os Excelentes advogados e promotores, temos que prestar esse serviço que poderia muito bem ser dispendido em prender negros e pobres (e seria feito! Um serviço à sociedade!) caso você, Mariana, utilizasse uma modesta burca (obviamente sem cores chamativas como o verde, por exemplo. Vai que tire a atenção de um motorista e ele bata num poste porque você, novamente, provocou as pessoas para o Mal).


O caráter da justiça e a luta da mulher


Esse caso apenas reflete o que ocorre comumente na justiça brasileira: justiça nenhuma. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apenas 1% dos acusados de estupro são processados e a cada 8 minutos uma mulher é estuprada no Brasil. Em razão de ter que enfrentar esses Excelentíssimos Patriarcas ou Delegacias Comuns (quando não há Delegacia da Mulher — então, nas comuns são os Santíssimos Delegados) ou ser repreendida pela própria família (santos pais, santas mães: sagrada família), a vítima de estupro ou agressão sexual não denuncia porque há toda essa pressão social, da família e dessas instituições que não conseguem acolher e dar soluções melhores para o psiquismo da vítima — falamos nesse tom sócio-psicológico, porque justiça, como foi evidenciada na porcentagem acima, também inexiste.

A justiça só tem nome de justa. Ela tem um papel fundamental para conter os ilícitos que ameacem a Santa Providência Moral dos Homens e, também santa, Propriedade Privada (nesse último caso, prendendo pobres e negros).

A população precisa se garantir com suas próprias forças. Só a organização das mulheres e da população oprimida consegue resolver seus problemas. A tese comum da esquerda intelectual de que precisa-se educar o opressor e o agressor precisa ser não apenas enunciada, mas posta em prática. Do Estado, das escolas, dos professores, do judiciário e da família virá algum esclarecimento sobre a questão da violência sexual contra as mulheres?

Portanto, só a organização das mulheres e seus coletivos conseguem fazer esse papel educador, trazendo sempre essa polêmica para a superfície da discussão social, através de imprensa própria dessas organizações, cartilhas, atos e discussões públicas e formas reais para que as mulheres, nessas situações de vulnerabilidade, consigam defender-se, realizar a autodefesa, visto que o Estado, a polícia e o judiciário somente vem depois da violência ocorrida, não para fazer justiça mas para intensificar a injustiça. Nesse caso específico do julgamento do empresário André, se a audiência fosse presencial, as organizações de mulheres deveriam ocupar em peso a sala de julgamento e impedir, no momento, as agressões verbais contra Mariana. A pressão política deve ser feita e era capaz que o advogado de André só saísse dali escoltado por policiais se a agressão fosse realizada diante de uma organização de mulheres mostrando para toda a sociedade a sua força.

É importante discutir, sim, mas para não ficar somente em palavreados vazios e sem eficácia, a organização precisa ser criada e ter atuação permanente para levar a luta da mulher adiante para esses casos e para outros casos que dizem respeito à questão feminina: direito à creche, ao aborto, ampliação da licença-maternidade, UBS com saúde da mulher nos bairros, igualdade salarial, entre outros.

É preciso prevenir e atuar politicamente com a força da própria organização popular senão esses casos sempre irão se repetir.


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